A redução da maioridade penal e as manifestações do mal-estar na contemporaneidade

Abstract

As propostas de Emenda à Constituição para a redução da maioridade penal surgem em um contexto marcado pelo medo, relacionado às cenas de violência urbana, no qual se observa o anseio por leis mais rígidas, que deem conta da suposta impunidade e que eliminem a sensação de mal-estar produzida pelos atos infracionais praticados por jovens. Propõe-se assim compreender, a luz da psicanálise aplicada, em suas interfaces com o campo sociológico e filosófico, os sentidos dos diversos discursos favoráveis à redução da maior idade penal, que se apresentam como soluções para uma parte da violência e da insegurança social. A psicanálise traz importantes contribuições a esta reflexão, a partir de sua concepção de homem, enquanto ser pulsional, marcado pelo conflito e a falta, que para viver em sociedade adequou-se às leis, abstendo-se de parte de sua liberdade e possibilidades de satisfação. Neste sentido, o presente estudo objetivou compreender, pelo viés psicanalítico, como o discurso em favor da redução da maioridade penal mobiliza e expressa o mal-estar na contemporaneidade. Optou-se por metodologia mista, de abordagem qualitativa e exploratória, com análise de conteúdo a partir de fonte documental, dos textos dos Projetos de Emenda Constitucional, elaborados desde 1993, sobre a redução da maioridade penal e de depoimentos em meio virtual, escritos por leitores em sites de notícias que abordam essa temática. Observa-se que as principais justificativas para implementação da proposta acusam a permissividade das medidas socioeducativas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), que encorajariam os jovens, inimputáveis, à reincidência no ato infracional. Argumenta-se que apenas leis mais rígidas e penas mais severas, como a que os adultos estão sujeitos, impedi-los-ia de cometer atos de violência. Analisa-se que a opção pela redução da maioridade penal, que determina o jovem como ameaça, surge como tentativa imaginária de nomeação e de eliminação do mal-estar social, buscando respaldo em discursos morais, higienistas, religiosos, voltados à dimensão punitiva, padronizadora e massificante dos sujeitos e grupos, restringindo suas possibilidades de expressão. Para além do lugar de vítima ou de inocente, faz-se importante conceber o adolescente, em conflito com a lei, como expressão de um contexto e de uma forma de relação que desvela o desamparo humano perante a própria agressividade. A sociedade moderna, em sua lógica de homogeneização, busca retirar os afetos da dimensão vital, em dinâmica em que o encontro com as paixões passa a ser angustiante e precisa ser evitado. O jovem desafia essa dinâmica, traz o novo, atualiza o conflito humano, aparece como depositário da violência, de forma a mover o anseio de submissão ao poder autoritário e punitivo da lei. Os autores estudados consideram que além de não resolver a problemática da insegurança e do mal-estar social, a redução da maioridade penal não diminui, mas aumenta a violência, levando a um caminho de exclusão e fragilização dos laços sociais.